Monsaraz e Mourão












|fotos: Carla Martins|
Monsaraz e Mourão, Alentejo, Portugal


há sítios que nos limpam a alma. que nos fazem entrar numa espécie de redemoínho emocional, a barriga anda às voltas, o peito enche-se de ar, os olhos ficam húmidos, a cabeça gira sem fim. porque o que nos entra pela vista adentro é tão imenso, tem tanta coisa, que ficamos assoberbados. e todas as questões, que cá dentro nos batem nas paredes do sótão, se relativizam.
o Alentejo, para mim, é tudo isto. não importa se Alentejo em cima, se Alentejo em baixo, se Alentejo no litoral. tem as cores certas, a altitude certa, os cheiros certos, as temperaturas certas - mesmo no Inverno e com as recordações de entrar na cama tão fria (que a minha avó aquecia com tamanho amor), que mais parecia um bloco de gelo. voltar lá, ao Alentejo, uma e outra vez é vital. não se espantem se, por entre estes cadernos de viagem, vos aparecer constantemente o Alentejo. e se não aparecer mais é porque, por entre os planos de escrita, decidi (forcei-me a!)intercalar com outros destinos ou porque não tenho mesmo fotos dessas passagens!
e esta passagem que hoje vos trago, por Monsaraz e Mourão, tem uns pózinhos de perlimpimpim - que nem eu imaginava, quando chegámos, esbaforidos, ao castelo de Monsaraz... primeiro, um calor abrasador, que nem o ar condicionado do carro (coisa que detesto e me deixa muito aflita) ou janelas abertas aplacava. a solução foi sentar no primeiro café aberto, já entre as muralhas de Monsaraz, e tomar um gaspacho. com um intenso sabor a pimento (coisa que nem por aí além me agrada, o pimento). e mais do que gelado (coisas geladas não consigo nem beber, nem comer). dá para perceber o calor, não dá? recompostos, retomámos caminho e fomos explorar a vila medieval e o castelo. mesmo de chinelos, subi às torres - e ainda bem. o Alqueva, visto de cima, é imponente! já por entre as estradas, planas, conseguimos adivinhar uma imensidão que se modificou, à conta da barragem, mas nada nos prepara para ver este grande lago, este azul do céu reflectido na água. nada nos prepara para ver grandes barcos em deliciosos passeios, neste mar inventado.
Monsaraz visto, Monsaraz explorado, há que voltar a entrar no carro. próximo destino? as horas já não nos deixam entrar no barco e navegar por entre o grande lago; a solução é procurar num livro (que nos acompanha sempre nestas viagens, com descrição exaustiva do variado património que existe por estes recantos de Portugal). decidimos fazer mais uns quilómetros e rumar a Mourão. pelas estradas de acesso, ainda conseguimos encontrar umas quantas placas que indicavam turismos rurais e vá de anotar no caderninho - que isto de passear não é só tirar fotografias! mais um serpenteio por entre as ruas, estacionar o carro, sair. tudo isto, passos comuns. até olhar para a porta do castelo de Mourão... nunca vos aconteceu sonharem repetidamente com alguma coisa, algum sítio? volta e meia essa coisa, esse sítio aparece nos vossos sonhos sem explicação, sem conseguirem identificar de onde vem, identificar sequer onde é e porque vos aparece. pois bem, foi o que me aconteceu anos a fio com o castelo de Mourão. sonhei uma e outra vez com esta porta, este castelo, o seu interior cheio de vida sem nunca ter percebido onde estava (neste sonho). ainda hoje quando penso neste reencontro, e agora mesmo enquanto escrevo, o coração palpita mais do que se possa imaginar. a porta era igual, a entrada era igual, os corredores de pedra junto às ameias eram iguais; a única coisa que não se parecia era o meio do castelo (que agora está apenas em terra e com uma única e solitária árvore). lembro-me de entrar e vaguear lá dentro. olhar para o chão de pedra gasta, areia seca quase pó. olhar para as pedras. nem consegui subir e ver, uma vez mais, o Alqueva. fiquei embrenhada, de novo, naquele sonho. naquele sítio. 

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