dizer tudo, não dizer nada


penso tantas vezes que o cansaço nos tolhe o discernimento e, sistematicamente, volto a esquecê-lo. é tão próprio da nossa espécie que assim seja e só (quase) em situações extremas é que quebramos o padrão de comportamento e mudamos o nosso rumo. ou então, é preciso uma vontade férrea, muita disposição para mudar e a consciência clara de para onde queremos ir.
tudo isto a propósito das últimas semanas, de esticar o tempo ao limite, de encaixar muitas tarefas - dentro dum espaço de tempo já destinado ao descanso. não era nada disto que me apetecia escrever, tive pensamentos muito concretos sobre dois ou três pontos que me preocupam, enquanto pessoa, cidadã e profissional. todavia, guardei-os para mim, troquei uma ou outra impressão cá em casa e com este ou aquele amigo e esquivei-me à escrita. não me sinto ainda preparada para fazer correr as palavras duma forma organizada, estruturada e que possa trazer alguma opinião interessante ao mundo - este pequeno mundo onde cada um de nós circula e a este grande mundo que é a internet. 
tenho de ser sincera e admitir que outros dos motivos que me bloqueou a escrita é que muitos desses pensamentos são altamente emotivos, à flor da pele e do que se queira imaginar. deixam-me num estado tão periclitante e, por vezes, tão desvairado que não sei se é sequer sensato colocá-los num papel.
acabei por fazer o que há muito se tornou hábito: reciclar esse fluxo energético menos positivo, essa força bruta que me ia nas mãos, produzindo. sentei-me, peguei num pedaço de trapilho - a minha companhia nos últimos tempos e que serve de treino para os pontos base do crochet - e fiz mais uma cesta. como o universo nem sempre se dá por contente por nos pôr à prova e há sempre mais qualquer coisa que nos pisa o pé, ter uma agulha e uma linha nas mãos acabou por ser providencial e altamente terapêutico. 
delicie-me, como uma criança, com o resultado tão imperfeito desta cesta (os trapilhos tinham espessuras diferentes e a junção ficou encavalitada e muito feiinha) e com o facto dos Pestanudos, que fiz na semana passada, encaixarem lá na perfeição. tão contente fiquei que os tenho deixado por lá, a decorar o meu pedaço de mesa de trabalho, à espera dos taleigos que os vão transportar. é uma espécie de lembrete, vê-los ali... um lembrete que me aviva a memória e me transmite esperança e força para continuar. que me relembra que mesmo no feio há uma ponta de beleza (só temos de a procurar) e que do caos nasce a ordem. essa ordem que tanto procuro, que tanto insisto em criar e que, com o passar da vida, vou percebendo não ser mais do que uma ilusão provisória, uma bicicleta com mais duas rodinhas - quando andar de bicicleta já é um dado adquirido... e que, às vezes, o melhor mesmo é sentir o sufoco, sentir simplesmente, deitar cá para fora.
nada como uma manhã de domingo, de cabeça fresca, para enfrentar os dias que aí vêm e... recomeçar!


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