por onde nos levam os pensamentos

este fim-de-semana passei pelo Convento dos Capuchos e participei numa visita guiada (gratuita e com direito a concerto com instrumentos de época!). durante a longa introdução de cerca de 50 minutos, em que quase todos os participantes permaneceram estáticos e em pé, dei comigo absorta numa série de pensamentos cruzados com as palavras da oradora. senti-os como uma espécie de bálsamo que apaziguava a sensação de desconforto.
o que mais ressoou nos meus pensamentos foi a nossa ligação aos elementos naturais ou, melhor, a falta desta mesma ligação nos tempos que correm. sabemos como ligar os equipamentos electrónicos mas, na maior parte das vezes, somos incapazes de perceber de onde vem o vento. quanto muito, percebemos que é uma nortada pela pitada de frio que nos obriga a cobrir os ombros no Verão ou pelo ponto do país onde estamos.  perdemos o contacto com os pontos cardeais, com o fluxo dos rios. reclamamos porque as estações do ano não são as mesmas e consultamos a meteorologia online, em busca de profecias que nos alegrem a perspectiva dos dias de descanso. olhamos para a previsão de chegada do próximo autocarro e ficamos desavindos com o relógio mas nem reparamos que a sombra dos prédios é, agora, diferente de há um mês à mesma hora. sabemos a hora do ferry para passar o Sado em direcção à península mas esquecemo-nos que os Roazes Corvineiros não nadaram no rio, anos a fio, porque a poluição lhes tornava a vida insustentável. a toda a hora comemos fruta fora de época, fruta de outros continentes e hemisférios. vivemos entre quatro paredes, já feitas, acabadas, estucadas, pintadas e refinadas. 
mas... e se esse lugar (essas quatro paredes) não for o lugar onde precisamos realmente viver? e se o lugar onde precisamos realmente viver não for exactamente o dos sonhos, aquele com o qual nos imaginamos deliciar e que nos domina os pensamentos. e se o lugar onde precisamos viver for aquele que nos desafia e chega inclusive a desagradar-nos? será que no meio de toda esta rotina fácil - esta rotina em que até comprar uma casa pode até ser um momento de impulso - conseguimos olhar para o que realmente precisamos e não aquilo que a sociedade nos impõe como uma escolha óbvia? o que é mais importante para cada um de nós: que a casa nos deixe ver um céu verdadeiramente estrelado ou tenha a cortina mais bonita e o papel de parede mais requintado? que prioridades no guiam hoje na escolha do espaço onde nos abrigamos, onde descansamos, onde nos alimentamos?
certo é que, pelo meio destes pensamentos frenéticos, mais próximos dum ritmo citadino do que de um convento Capucho, a visita desembocou no miradouro. no céu, estas pinturas inacreditáveis. ao lado, um sol que se punha sobre um rio e um oceano que se abraçavam. ao longe, o som das sirenes despertava-me para o inebriante fumo dum carro em chamas. ao longe, as palmas. e as palmas (dos outros), em regozijo pelas palavras de uma poetisa, acordaram-me para a etapa seguinte: a noite e o interior do convento.

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