sobre o prolixo

fiz tanta coisa neste pequeno fim-de-semana que não sei por onde começar. nem sei, até, se me apetece falar sobre alguma destas coisas. se calhar, jogo pelo seguro e pego nos hábitos; aqueles hábitos que se colam com a chegada do sol e do privilégio de poder arejar no quintal. volta e meia, repesco um livro (ou vários). um livro que já li há demasiado tempo ou que ficou com qualquer coisa por entender. ou, simplesmente, porque gostei tanto desse mesmo livro que me sinto compelida a folheá-lo novamente. este desejo reaparece com o sol e com o bom tempo e as páginas dos livros enchem-se de ar puro, ar verdejante e, mais lá para a frente, de grãos de areia - os mesmos minúsculos grãos-de-areia (eu sei que não se escreve assim... mas fica tão bonito!) que se colam e teimam em não sair dos pés.
num ápice, Milan Kundera volta ao meu colo. Kundera e o seu magnífico Insustentável. Teresa, Tomás e as suas dúvidas. os seus anseios e dores. o seu chorrilho de emoções. 
esta foto (São Sebastião na fachada da Igreja de São Vicente de Fora) e esta passagem (dos pensamentos de Teresa) fizeram-me pensar em quantas vezes vemos a vida em plano picado; nós aos pés da vida, como se fossemos tão pequenos e insignificantes que não conseguimos lá chegar, não conseguimos alcançar o correr dos dias. num extremo, o sentimento de não sermos merecedores dessa mesma vida ou que devemos viver condenados a certo e determinado suplício (e Sísifo reaparece por entre memórias...). 
será que a realidade é mesmo assim? tão distante e inalcançável? ou as nossas projecções ganham tanta força que distorcem as imagens, por mais belas que sejam?
boa semana!


"Tereza usava estas palavras quase desde a infância para exprimir a ideia que lhe dava a vida da família. O campo de concentração é um mundo em que as pessoas estão condenadas a viver perpetuamente, de dia e de noite, umas em cima das outras. As crueldades e as violências não são senão um aspecto secundário e perfeitamente dispensável. O campo de concentração é a liquidação total da vida privada. (...) Quando Teresa vivia em casa da mãe, vivia num campo de concentração. Sabia desde esse tempo que o campo de concentração não é nada de excepcional, nada que nos deva surpreender, mas qualquer coisa de dado, de fundamental, qualquer coisa onde se chega quando se vem ao mundo e de onde não nos podemos evadir senão através de uma extrema tensão de todas as nossas forças.", in "A Insustentável Leveza do Ser", Milan Kundera


|fotos: Carla Martins|



4 comentários:

  1. como sempre, lindas palavras. encontro-me perdida exatamente nas mesmas sensações. ou encontrada :)
    nada melhor do que um livro com grãos de areia, engrossado pelo sal, com cheiro a férias :)
    beijinhos, metadinha!

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    1. obrigada, minha querida!
      sim, perdida e encontrada. :-)
      é tão bom ser turista em qualquer lado.
      muitos beijinhos.

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  2. obrigada por me relembar essa Insustentável Leveza do Ser que li faz muito tempo, e que amei.

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